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quarta-feira, 13 de julho de 2016




Que Saudade do Mar.
J. Norinaldo



Não me faltam pedaços, mas me sobram lacunas como velhas escunas jogadas num matagal; quem nasceu para navegar deveria no fim afundar e embalar seus destroços, como prêmio por todos os esforços, feridas em pedras, mazelas, retratadas em coloridas telas por quem nunca navegou. Triste servir como lenha a aquecer a quem venha de frio sofrer, a mão que ora treme antes firme no leme e o olhar no horizonte e um vinco na fronte na incerteza do mar. Não faltam arestas, mas me sobram frestas na alma que se finge calma e em fim conformada em ser nada depois de ser tanto, e aguardar a morte depois de ser forte e desdenhar do pranto. Não me falta um abraço, mesmo que falso e interesseiro, não me faltam amigos e nem os conselhos do meu travesseiro; o que será que me falta que sinto e não sei, ou talvez saiba, mas prefira esquecer por um pouco de paz; o que já tive tanto e que se foi com o vento exatamente o tempo que não tenho mais. E o que resta de tempo, antes tão lento, hoje  ligeiro demais e por mais que tento com meus passos curtos estou sempre para trás. Só quem já navegou e se viu longe do mundo, apenas céu e mar, pode imaginar e se colocar no lugar de uma escuna, jogada no mato sem água por perto para se balançar, ou ouvir o estalar da sua madeira em uma fogueira sem nenhum ritual ou algum sentimento e as cinzas ao vento que antes emproava o velame e enfrentava a procela; hoje apenas chamas, que rasgam na noite lacunas e fendas como escarlates escamas de um dragão das lendas.

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